Escrito por Sulivan França - 17 de Junho de 2019

Você já pensou como movimentos sociais têm início? Em dezembro de 1955, a cidade de Montgomery, no Alabama, EUA, foi sacudida. A discriminação racial era a regra no país, com leis que determinavam a separação de brancos e negros nos ônibus, por exemplo. Foi nesse cenário que Rosa Parks, uma costureira negra de 42 anos, enfrentou o sistema. Ela voltava para casa após o trabalho e se negou a levantar ao ter a atenção chamada pelo motorista. Acabou presa. 

Rosa não havia sido a primeira pessoa a ir para a cadeia por infringir as leis de segregação do ônibus. Já em 1946, outra mulher havia sido presa pela mesma razão. Outros três casos foram registrados antes da história da costureira. Então, o que ocorreu desta vez? Bom, a explicação está no poder dos hábitos sociais, comportamentos com potencial para mudar o mundo. Eles são responsáveis por lotar ruas de manifestantes que talvez nem se conheçam e estejam lá por motivos distintos, mas que seguem avançando numa mesma direção. 

Hábitos sociais costumam influenciar em um processo de três estágios. Primeiro um movimento tem início por causa dos hábitos sociais de amizade e aos chamados laços fortes, entre conhecidos próximos. Em seguida, cresce devido aos hábitos de uma comunidade e aos chamados laços fracos, que unem vizinhanças ou grupos. Por fim, ele continua porque os líderes do movimento dão aos participantes novos hábitos que criam um novo senso de identidade e um sentimento de propriedade. 

Em geral, só quando todas as três partes desse processo são preenchidas é que um movimento pode se tornar autopropulsor e atingir uma massa crítica. 


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Na história de Rosa Parks, os hábitos foram cruciais. As prisões anteriores não geraram protestos porque não havia muitos ativistas em Montgomery naquela época. Existia resignação dos negros em relação à segregação. Mas o clima político vinha mudando no país. Por exemplo, a discriminação havia sido considerada ilegal nas escolas públicas meses antes da detenção de Rosa. Trata-se de um elemento apenas, não explica tudo. 

A prisão da costureira também teve reflexo inédito porque ela era muito respeitada e inserida em sua comunidade, onde também era muito atuante, algo diferente dos casos anteriores. Assim, a detenção iniciou uma série de hábitos locais, de amizade, que geraram um protesto inicial. O cotidiano da costureira ainda ultrapassava as fronteiras raciais e econômicas da cidade. Sua intensa presença social, entre trabalhos voluntários e atividades com grupos diversos, lhe dava algo raro, sobretudo, naquela época. 

O comum é sermos amigos de pessoas parecidas conosco. Em geral, temos alguém mais rico ou mais pobre no convívio, mas a maioria ganha mais ou menos o mesmo que nós. Rosa, no entanto, tinha laços fortes, ou seja, relacionamentos em primeira mão, com dezenas de grupos que geralmente não eram conectados uns com os outros. Ela era amiga de lavradores e de professores universitários. E isso fez toda a diferença. Assim, os amigos reagiram antes que o desinteresse normal da comunidade pudesse tomar conta. 

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Com ajuda de advogados, Rosa deixou a prisão mediante fiança. A notícia se espalhou pela comunidade negra local e já algumas horas depois, numa reunião, foi combinado o boicote aos ônibus. Panfletos foram distribuídos pela cidade. Muita gente conhecia Rosa pessoalmente. No entanto, apesar do grupo grande e diversificado de amigos, isso não seria suficiente para manter o protesto por muito tempo. 

Um segundo aspecto dos hábitos sociais entrou em cena. O boicote se disseminou porque surgiu um senso de obrigação que mantinha a comunidade negra unida. Após os amigos de Rosa espalharem a notícia da prisão, pessoas que mal conheciam a costureira decidiram participar por influência da pressão social de conhecidos, os tais laços fracos. 

Um ano antes da prisão de Rosa, um novo pastor havia chegado a Montgomery. Seu nome era Martin Luther King Jr. e sua igreja, assim como todas as demais congregações locais, haviam concordado em boicotar os ônibus. O ato iria ocorrer quatro dias após a detenção da costureira, quando ela seria julgada. Um dia antes disso, no entanto, um jornal noticiou que haveria o protesto. Muita gente nem conhecia Rosa, mas percebeu que a comunidade se unia em torno daquela causa. Assim, poderia pegar mal não participar do ato. Os laços fracos aproximaram a todos. Ou você estava no protesto ou era contra ele. 

O boicote ocorreu e foi impactante. Ônibus que diariamente transportavam centenas de negros passaram o dia vazios. Na mesma tarde, Rosa foi condenada por violar as leis de segregação. Mais de 500 negros lotavam os corredores do tribunal ou estavam na frente do prédio, à espera do veredito. Entre a prisão e o protesto foram só quatro dias, em uma cidade onde nada parecido havia ocorrido. O boicote de um dia, no entanto, virou uma ação que durou uma semana, depois um mês, dois meses... Porém, com o tempo o compromisso da comunidade enfraqueceu. Além disso, a polícia começou a pressionar pelo fim do boicote. 

Uma noite, quando Martin Luther King pregava em sua igreja, foi alertado que uma bomba havia explodido em sua casa, onde estavam sua mulher e a filha pequena do casal. Ao correr para lá, King encontrou centenas de negros, o prefeito e o chefe da polícia no local. Sua mulher e filha estavam ilesas, mas a frente da casa foi destruída. Enquanto mais e mais pessoas chegavam, policiais e a multidão começaram a se desentender e um conflito parecia inevitável. 

Por temer o pior, o chefe da polícia, que meses antes havia declarado apoio uma organização racista, chamou King de lado e pediu que ele fizesse qualquer coisa para impedir um tumulto. 

O pastor pacifista foi até a sua varanda destruída e gritou para a multidão: "não façam nada por pânico. Não saquem suas armas. Devemos amar nossos irmãos brancos, a despeito do que façam conosco". Era a mensagem de não violência que ele vinha pregando havia semanas em sua igreja, com base em ensinamentos de Gandhi e de Jesus. Com isso, King jogava uma luz nova e diferente sobre o boicote. Disse que a questão ia além da igualdade nos ônibus. E que para um objetivo mais amplo, era preciso ter novas reações, estratégias e comportamentos diferentes. "Precisamos retribuir o ódio com amor", ele disse. Quando terminou, a multidão voltou em silêncio para suas casas. 

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E, quando novos atentados ocorreram para intimidar outros organizadores do boicote, o padrão se repetiu. Os negros apareciam em massa, testemunhavam sem violência e voltavam para casa. Nas igrejas, assembleias também pregavam o pacifismo. Em junho de 1956, a Justiça local determinou que a segregação nos ônibus era inconstitucional. A cidade apelou à Suprema Corte e a decisão final saiu em dezembro. Um ano após a prisão de Rosa Parks os ônibus deveriam ser integrados. 

O boicote em Montgomery foi como uma semente e ajudou a criar um conjunto de novos hábitos sociais que rapidamente se espalharam para algumas cidades do país. O movimento pelos direitos civis tornou-se uma onda de ocupações e protestos pacíficos, mesmo quando participantes eram agredidos violentamente. No início da década de 1960, já havia manifestações na Flórida, Califórnia e na capital Washington. Em 1964, a Lei dos Direitos Civis foi assinada pelo presidente Lyndon Johnson, tornando ilegais todas as formas de segregação, assim como a discriminação contra minorias e mulheres.    

Faça um teste: reflita como os hábitos sociais são fundamentais para iniciar movimentos, como o ocorrido em Montgomery, em 1955. Como influenciam movimentos atualmente?


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